Continência e tal
O meu receio nem é em relação a Gouveia e Melo - sendo que, se digo que desconheço o seu pensamento, naturalmente tenho reservas -, é em relação ao estado de espírito da população.
Enquanto aguardamos por fumo branco das reuniões entre os partidos sobre o orçamento, temos uma sondagem presidencial para entreter. Não nos podemos queixar, podiam ser palavras-cruzadas.
Mas, vamos lá. Eu não gosto de sondagens, sendo até contra elas. Considero-as um instrumento sem fiabilidade que manipula resultados eleitorais. É uma fraude à democracia. Condiciona até quem nelas não acredita, como é o meu caso, porque citando Marcelo - e nesta reflexão faz sentido - uma pessoa vê, ouve e lê, não pode ignorar. Só é pena - preparem-se - o Chefe de Estado não ter feito o mesmo com um e-mail do seu filho. Calma. Não estou a atacar o senhor presidente da República, porque foi o próprio que já manifestou este sentimento.
São um horror, as sondagens. O demónio. Não têm qualquer interesse. Já perguntei a muita gente: Para quê? Ninguém me explica. E pior: Em termos de opinião pública, levamos mais tempo a discutir e analisar sondagens do que as próprias propostas dos partidos ou dos candidatos. Para quê? - pergunto também aqui, pode ser que alguém me explique. É que, por exemplo, estudos de mercados… certo, fazem sentido. Será que as pessoas vão apreciar o meu novo iogurte? Será que vou vender determinado produto naquela região? Isto percebe-se. Agora, intenções de voto? Qual é o valor acrescentado para a democracia, sobretudo quando sabemos que falham tantas vezes, quase sempre!? E quando sabemos de resultados eleitorais que foram influenciados pelos resultados das sondagens, virando o jogo, o que dizer!?
Claro que, se me perguntarem se devem ser proibidas, teria de pensar um bocado, mas não excluo. Não aprecio proibições, mas precisamos de regras. A liberdade e a democracia dependem delas. Por exemplo, hoje combatemos as fake news. Nenhum louco se atreve a dizer que tem o direito de difundir notícias falsas, sendo quase sempre uma profissão clandestina. Ora, eu insiro as sondagens, por mais sérias que sejam, potencialmente na categoria de fake news. Com uma excepção para aquelas que são feitas à boca da urna, cujo método facilita a pontaria, mas que, em todo o caso, nunca chegariam a tempo de influenciar o que quer que fosse.
Isto não é era, porém, sobre sondagens. E esta, sobre as presidenciais, qualifico como entretenimento enquanto se digladiam lá em São Bento para ver quem viabiliza o orçamento. Hoje é dia de reunião entre o Governo e o Partido Socialista. Gostava que se deixassem de conversas para boi dormir e fizessem a coisa bem feita, mas parece-me que tenho de votar vencido e enfiar a viola no saco.
O facto de aparecer o Almirante Gouveia e Melo à frente nas intenções levanta-me inúmeras questões. Alguém conhece o seu pensamento político? Não digo que não o tenha, nem é uma crítica ao próprio. A pergunta é honesta: Alguém conhece o pensamento político do Almirante Gouveia e Melo? A quem respondeu que nele votava, é porquê? O que pensa da Europa e do mundo? O que quer para o país? Será mais do magistério de interferência, como Marcelo, ou de influência, como outros? Mais presidencialista ou mais semi? Mais social, mais liberal, mais capitalista, mais intervencionista? Eu não sei, não conheço. As entrevistas que vi ou li, até à data, não foram esclarecedoras. Quem disse que votaria em Gouveia e Melo, fê-lo, então, porquê? Insisto. No caso de outro candidato possível, Passos Coelho, caramba, goste-se ou não sabemos bem qual é o seu pensamento político. Mais claro não podia ser, aliás. Gouveia e Melo, nesta matéria, é um completo desconhecido.
Suspeito, portanto, que a escolha se deva ao seu protagonismo no processo de vacinação. Em Portugal, já sabemos, estamos muito pouco habituados a pessoas competentes, tanto que a competência, para nós, resume-se a cumprir uma missão, nem sequer é preciso mais. Gouveia e Melo conseguiu liderar um processo de vacinação difícil, num momento muito sensível para a população. Com isso alcançou comendas e até um Globo de Ouro. O país ficou embevecido: Uma pessoa a cumprir a sua missão.
Sem querer retirar qualquer mérito ao senhor Almirante, é preciso lembrar que a heróica campanha de vacinação foi levada a cabo num momento especial do ponto de vista político e administrativo. Quero dizer, se para ultrapassar a pandemia fosse preciso um novo aeroporto em Lisboa, talvez a obra tivesse sido também feita naquele tempo e tínhamos hoje o Aeroporto Internacional Gouveia e Melo. A contrario, nada nos garante que Gouveia e Melo hoje, por exemplo, como ministro da Saúde, teria o mesmo sucesso e resolveria todos os problemas com a sua indumentária de tropa. Mas também reconheço, sim, que outros com as mesmas condições de Gouveia e Melo não tinham obtido o mesmo resultado. Por isso não lhe quero retirar mérito. Acho, porém, que o contexto é importante.
Há ainda outra hipótese - a mais séria, do meu ponto de vista -, para se escolher Gouveia e Melo. Falo de um certo desejo de autoridade. De uma eventual necessidade, sentida por uma parte maioritária da população, de “pôr ordem nisto”. De ser preciso um homem de farda, austero, um militar que vem de fora desta política que não convence nem oferece confiança. Com efeito, parece-me ser esta a razão e é preocupante.
A verdade é que os partidos não têm dado bom nome à política. Isso tem sido notório, aliás, neste mesmo processo de negociação orçamental. E não digo, com isto, que os partidos estavam obrigados a viabilizar o orçamento deste Governo. Claro que, não se chegando a acordo e entendendo eles que há mais motivos para chumbar do que para aprovar, então claro que é a decisão a tomar. Mas o ponto não é esse. É quase de forma, de discurso, de confronto de posições. Este ambiente incomoda, aborrece, deprime. Tensão permanente, ataques, insultos, drama, cólera. Podiam chumbar-se todos com outra postura. É mesmo de postura - e de sentido de Estado - que falamos.
Para piorar a situação, em Belém temos também quem não tem dignificado propriamente o cargo. Respeito quem concorda com o estilo de Marcelo, mas convenhamos que já deixou Belém, muitas vezes, de rastos; sem aquela aura de último reduto do Estado, garante de tudo e de mais alguma coisa. A tábua de salvação. O professor confundiu várias vezes o palácio com um partido. É legítimo, é a interpretação que faz do cargo, mas isso pode ter consequências. Os eleitores podem ficar com aquela sensação de que não há amparo nem abrigo, de que é tudo a mesma coisa, apesar de tantas diferenças, e que por isso precisamos de alguém de fora - um D. Sebastião - para reerguer a pátria.
A confirmar-se esta minha tese, é preocupante. Esta sensação é preocupante porque pode dar origem a muitos resultados, nenhum deles bom. O meu receio nem é tanto em relação a Gouveia e Melo - sendo que, se digo que desconheço o seu pensamento político, naturalmente tenho reservas -, é sobretudo em relação ao estado de espírito da população. Que considero, devo dizer, legítimo. Nada do que aqui referi me parece descabido ou uma percepção errada. Acho, em muitos casos, vastamente fundamentado o descontentamento. Noutros não, também reconheço, mas sabemos que o estado depressivo arrasta tudo. Tudo fica sombrio, nada de bom se vislumbra ou se consegue vislumbrar.
Acho que temos de pensar nisto. De olhar e ler os sinais. Até porque, por estes dias, a preocupação não é apenas com o nosso país, é com um mundo na sua pior fase em muitas décadas, perto de ter de se recuar a meados do século passado para encontrar paralelo. A população, mais do que riqueza, crescimento, investimento, prosperidade, parece começar à procura de protecção. Qual será ela, é a questão.
Bom... do que ouvi Gouveia e Melo falar... pareceu-me que tem ego. Não sei se chega nem se vai haver mais combates anti COVID. E um combate anti COVID não faz um bom presidente só por si. Julgo. Quanto ao resto e refiro-me a S. Bento, mal por mal, já Mário Soares daquele local fez um feudo e até circo, de cada vez que em viagem presidencial se deslocava mais a sua interminável e diversa comitiva. Até tartarugas aquilo meteu.
Por isso, estamos em Portugal, é batalhar e dar de novo. Ou talvez o "quantos queres"? 1, 2, 3 ... Olha... é um cromo!
"Continência e tal"... 😀 Gato Fedorento dixit.