Era uma vez a América
É neste aspecto da capacidade quase fisiológica, e excluindo todos os outros, que Trump ganha. Apresentou-se com energia, com toda a energia da sala, como se tivesse sugado a do seu adversário.
Não era suposto assistir ao debate em directo - a ideia era ouvir na caminhada matinal -, mas também parecia mal ir dormir quando ele estava prestes a começar, pelo que decidi ver um bocado. Só o arranque. Muito provavelmente, ainda que quisesse continuar a ver, o cansaço havia de vencer naturalmente. Longe disso. Nem dez minutos depois de começar o confronto entre Joe Biden e Donald Trump, sentia-me mais desperto do que um piloto de caça em pleno combate. Percebeu-se, naqueles minutos iniciais, o que havia de se suceder. Não se dormiu durante e depois só com a luz acesa.
Não dá para acreditar no debate a que assistimos entre os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos da América. Não é da República Dominicana, é dos Estados Unidos da América. Durante a madrugada, com todos a dormir, nem sequer podemos pedir a alguém para nos beliscar. Ultrapassaram-se todos os limites. Trataram-se temas da maior importância com uma superficialidade confrangedora. Falou-se de sexo com estrelas pornográficas e de golfe. Não sei se os Simpsons adivinharam esta, mas parece-me absurdo até para aquele nível de imaginação.
Temos de começar por Donald Trump, que vence o confronto sem grande esforço. Este não era um debate sobre política, até porque se conhecem relativamente bem as posições de ambos. Havia matéria para esclarecer - e que não se esclareceu, claro -, mas a política norte-americana tem estado, nas últimas semanas, mais concentrada na capacidade dos candidatos para o cargo, sobretudo depois da participação de Joe Biden na cimeira do G7. É neste aspecto da capacidade quase fisiológica, e excluindo todos os outros, que Trump ganha. Apresentou-se com energia, com toda a energia da sala, como se tivesse sugado a do seu adversário.
Em todos os outros aspectos, o ex-presidente foi também, sem surpresa, um completo desastre. As mentiras, os números e os argumentos atirados sem qualquer critério, as acusações, as ilusões, as promessas - sem ele não há guerras -, é tudo lamentável. É um político sem qualquer profundidade, um produto meramente mediático, um espectáculo que seria cómico se não fosse trágico. Trump é até pior de que a administração Trump, que não foi tão má quanto ele é, numa atenuante que atribuo às ferramentas de democracia, que foram testadas mas também é para isso que elas servem.
Este candidato republicano é o demagogo puro, que faz crescer a economia e o emprego, que acaba com as guerras e com a criminalidade doméstica. Não apresentou nenhum caminho, limita-se a prometer. Fugiu a muitas questões, preenchendo o tempo com ataques ao adversário ainda da resposta anterior. Estava na sua praia, a fazer o que sabe fazer, sem contraditório, nem dos moderadores nem de Biden, que não compareceu.
E é mesmo sobre Joe Biden que falamos agora. Isto não devia ter acontecido. Os democratas são responsáveis por um acontecimento que embaraça o país e o candidato, um candidato que apesar de quaisquer divergências políticas, merece respeito. Para quem ainda tem dúvidas, compare-se o debate desta madrugada com os de 2020. Veja-se como Joe Biden está diferente, envelheceu, perdeu capacidades. Custa-me dizê-lo, não devia ter de ser dito - devíamos estar a discutir políticas -, mas é incontornável.
O actual presidente não está em condições de cumprir um novo mandato e muito menos de enfrentar um adversário deste calibre e a ameaça que ele carrega. Conseguiu dar algumas boas respostas, a destoar de todo aquele espectáculo, mas intervalando com períodos de completa ausência e de total confusão. Estava perdido, lento, e nem nos temas em que estava obrigado a sobressair - a questão do aborto, por exemplo - foi capaz sequer de aparecer.
A idade dos candidatos, nestas eleições, é um tema e merece ser um tema. Apesar das aparências, a idade de Trump também deve estar na equação. Pela minha parte - e com todo o respeito porque são idades lindas -, os partidos devem escolher candidatos noutras faixas etárias. Trump e Biden não podem pilotar aviões comerciais, ninguém os deixaria a cuidar de um recém-nascido, já não operavam se fossem cirurgiões, não gostaríamos de ser julgados por eles; então por que raio entendemos que são capazes de estar à frente de um país e de um país que é a maior democracia e uma superpotência com tremendos desafios pela frente? Parecem aptos apenas a jogar golfe, como também se discutiu. Não faz sentido. Há uma Administração, uma equipa, mas se entendemos que o presidente dos Estados Unidos pode estar longe da plenitude das suas faculdades, então talvez se possa candidatar uma estátua ou até mesmo um busto. Não, o presidente dos Estados Unidos não é uma figura decorativa, tem de fazer escolhas e tomar decisões.
Ainda tem de se perceber os efeitos deste debate, mas com as flutuações nos swing states - com influência na duas eleições anteriores - ninguém acredita que tenha ficado tudo na mesma. Isto para não falar na trajectória que levava o candidato republicano, sendo que tento preservar o meu desprezo por sondagens.
Um dos grandes efeitos poderá ser a saída de cena de Joe Biden, que era ontem discutida poucos minutos depois do fim do confronto. Não se percebe a estratégia dos democratas, não se percebe a vice-presidente Kamala Harris e não se percebe agora Joe Biden, ainda que seja por outras razões. Talvez não seja tarde, só saberemos depois, mas precisam de repensar tudo. E desta vez é bom que oiçam, porque aquilo a que se assistiu esta madrugada não foi por falta de aviso.
São os democratas nos EUA e o Roberto Martinez na Seleção. Não se entende. Insistir em Biden e em Ronaldo é uma clara falta de estratégia. E claro, também em ambas az situações, se coloca a questão da idade. Mas é assustador. Jogo damas em online, e a quantidade de adversários Norte americanos que jogam em clubes onde a referência elogiosa a Trump é uma constante, é elucidativa. Não sei se são todos texano e claro que podem ser miúdos e nem as damas online são um indicador do que quer que seja. Antes fosse. Mas por isso mesmo, um indivíduo deste calibre ser levado a sério, é de arrepiar os cabelos. Este planeta é um manicómio a vaguear pelo espaço