Marco Paulo
Quando eu e um amigo encontrámos o Marco Paulo no meio do mar. A história é simples, mas a aventura foi grande e chegou para revelar um artista muito simpático, que agora parte.

Com a triste notícia da morte do Marco Paulo, gostava de contar uma história divertida com ele - o costume, nestas alturas. Antes dela, junto-me às homenagens. Sempre gostei do Marco Paulo. Acho que ainda sei algumas músicas de cor. Era cantor - não fosse aquela voz desperdiçada num mercado pequeno como é o nosso e a história podia ser outra - era entertainer, era um artista popular. Comecei por conhecê-lo, em criança, não pela sua voz, mas pela sua imagem. Os caracóis e aquelas passagens de microfone de uma mão para a outra. Bom marketing, já naquela altura, porque ficávamos à espera de vê-lo, sempre que aparecia na televisão, a fazer o número. Na verdade, também não havia outros canais para mudar, só com parabólica e essa só era usada para ver a RTL a altas horas.
Vamos à história. Há alguns anos - 25 ou talvez mais - estava com um amigo na Marina de Vilamoura. Eu tinha lá atracada uma luxuosa embarcação de recreio. Se a memória não me falha, atingia os 2 metros e meio. É melhor dizer 2500 centímetros, porque parece mais. Para impulsionar tudo isto, claro, um potente motor de 5 cavalos. Todos de corrida, não eram de alta escola. O casco? Em borracha, cheio de ar, mas um ar que vinha do Evereste, porque era mais leve e assim o barco podia atingir velocidades superiores a 3 nós, isto dependendo do número de pessoas a bordo, sem ninguém era quando andava mais depressa. A lotação máxima devia ser pessoa e meia, mas naveguei muitas vezes com duas, no máximo quatro, cinco já era naufrágio. Mandava uma sempre para a proa, para baixá-la, porque com os 5 cavalos a puxar ao mesmo tempo… cuidado. Aquilo empinava. Poucos percebiam - e nem todos aqui vão perceber -, mas chamava sempre, a quem ia sentado na proa, o flap.
Certo fim de dia, eu e o meu amigo Tiago decidimos que iamos sair para o mar, para jantar a bordo, com o pôr-do-sol. Talvez tenhamos pensado em convidar mais alguém, nomeadamente do Reino Unido e com os pais a jantar no Akvavit, mas não cabiam. O chef privado teria de ficar para a próxima. Era só um, mas também não cabia. Se o chef fosse não podia ir o Tiago. Ou eu. Lá tivemos então de ir comprar umas pizzas e uns refrigerantes.
Com tudo pronto, largámos o cabo e fizemo-nos ao mar. Mas calma. Demorámos, como sempre, cerca de 15 dias para chegar ao próprio mar. Brrrrrrrrrrr. O costume. É preciso ter calma. Entretanto, não convinha que a Polícia Marítima nos avistasse, à passagem pela capitania, o que era difícil porque estivemos mais ou menos uma semana a passar à frente deles, isto apesar de seguirmos em full throttle. Ou não viram ou não nos chatearam ou não acreditaram no que estavam a ver. Eu aposto nesta.
Já em mar alto, a cerca de zero milhas da costa, começo a perceber que o mar não está bravo, mas também não está chão. Estava com aquela meteorologia em que um pouco mais de vento e o jantar podia passar a pernoita até que a bonança do amanhecer nos permitisse voltar a navegar para a frente. Não me recordo em que mês estávamos, mas não havia grande movimento no mar. Para não dizer que não havia nenhum, tornando a aventura ainda mais segura, claro. De repente, ao longe, vejo um barco. Um barco parado, mas não fundeado. O barco era pequeno - bom, enfim, eu naquela embarcação não podia chamar pequena a nenhuma outra, mais pequena do que a minha e já seria de brincar -, mas tinha bastante gente - 5 ou 6 para nós era um cruzeiro -, e gente que se mexia muito.
Pensámos então que estavam em festa. Tinha-nos saído a sorte grande, mas havia um problema. Não estavam longe, mas a abordagem obrigava-me a ir ainda mais para fora, correndo o risco de ter de me ver livre do Tiago - se é que me entendem - para voltar a terra. Era um risco elevado, portanto fui até lá. O risco era para o Tiago. Lá chegados, percebemos que não se tratava de nenhuma festa. Desilusão total. Eles estavam apreensivos porque aquilo podia ser um ataque de piratas. Ao longe parecemos piratas, perto posso jurar que não. (Enquanto faço este relato, vamos continuando a aproximação.) Era uma sessão fotográfica. Aproximamo-nos ainda mais e… era o Marco Paulo. O barco ia virando. O nosso. Era o Marco Paulo.
Estabelecemos então o contacto com a outra embarcação. Estivemos a falar com o Marco Paulo - pouco tempo, devo dizer -, e foi uma completa simpatia. Muito simpático. Não se pode ser mais simpático no meio do mar, de um barco para o outro, com o sol prestes a pôr-se e a sessão fotográfica a poder ficar adiada. Ainda assim, o Marco Paulo perguntou se queríamos uma fotografia. Claro que sim. Mas não foi com ele, porque não subimos a bordo. O fotógrafo tirou-nos uma fotografia a nós, no meio do mar. (Podia ser a última fotografia do Tiago.) Dá para acreditar nesta situação? A ideia era tirarem-nos a fotografia, que depois o Marco Paulo assinava e mandavam-nos para casa. Certo, é uma boa ideia, vai ficar estranho - um autógrafo do Marco Paulo numa foto minha e do Tiago num bote -, mas já era qualquer coisa.
Feita a foto, pedem-nos a morada e escolhemos que era o Tiago a dar a dele. Porquê? Eu no Marco Paulo confiava, mas na revista - que não sei qual era, não me lembro - não. Ou seja, ainda se lembravam de retaliar por termos aparecido ali na melhor hora. Era mais seguro, para mim, dar-se a do Tiago, que não era simples e tinha dois nomes difíceis a terminar na mesma sílaba -al. Este processo de gritar uma morada demorou mais tempo do que tudo o resto. Eu só pensava que o Tiago devia ter um apartado. Era a confusão total. Lá conseguiram apontar e eu fiquei com a certeza absoluta, naquele momento, de que aquela fotografia jamais nos chegaria. No limite, podia chegar a outra pessoa. Sem surpresa, nunca chegou fotografia alguma. Só se lhe chegou e ele nunca me disse - ele não vai gostar de ler isto, mas eu desculparia, porque se recebesse um autógrafo do Marco Paulo que não dava para dividir, também “não o teria recebido”. “Não, ainda não chegou, sabes que aquilo, de um barco para o outro, tudo a abanar, eles nem conseguiram escrever”, teria dito, enquanto limpava a moldura.
Lá nos afastámos para ficarmos mais próximos do canal a jantar e sermos eventualmente abalroados por um Sunseeker vindo do nada ou pelo próprio barco da sessão fotográfica, coisa que teria sido épica. Não aconteceu, correu tudo bem, pouco depois chegávamos a terra eufóricos por termos conhecido o Marco Paulo. Não me lembro se acreditaram ou se nos pediram um teste para despistar drogas.
Era evidente a simpatia daquele homem. Esqueceu a fotografia e deu-nos toda a atenção. Deve ter pensado “com a breca, até no meio do mar”, mas foi muito simpático. Gostou, com certeza, que ali tivéssemos ido, até porque já hoje ouvi muita gente mencionar que gostava de ser abordado por fãs. Esta abordagem terá sido das mais raras, porque posso garantir que o cenário era invulgar. Suspeito que tenha contado, em terra, que tinham aparecido dois rapazes num barco de borracha com dois metros e meio, no meio do mar. Não sei se acreditaram ou se lhe pediram um teste para despistar drogas.
Anos mais tarde - talvez há um ano -, estou ali num elevador de um hospital e entra o Marco Paulo, acompanhado por familiares. Senti mais uma vez a sua simpatia - cumprimentou e sorriu - mas senti sobretudo a sua presença, que parecia muito forte. Não tive coragem de lhe contar a história - talvez até se lembrasse -, mas pior: Não me lembrei de lhe pedir, enfim, a fotografia! E agora estou chateado, porque com o que ouvi hoje dele, pelos seus amigos, sei que teria gostado. Resta-me o consolo de saber que nunca lhe faltaram fãs. Até no meio do mar.