O país é seguro, mas
Transformar a segurança em medo, colocando o Governo por trás de cada bastonada, pode ter sido a prova que faltava da total e completa inabilidade política. E ainda escolheram a hora de jantar.
Temos de falar sobre o primeiro-ministro. Luís Montenegro nunca foi uma promessa e venceu as eleições com uma margem muita curta, mas foi-lhe concedido o benefício da dúvida por uma maioria mais vasta do que aquela que foi expressa nos votos. Numa primeira fase, havia bons sinais. Hoje, ao cabo destes meses, já podemos formular um juízo e ele não é simpático para com o chefe do Governo, o Governo e os partidos que compõem a coligação.
As crises multiplicam-se e não se pode falar apenas em falhas de comunicação. Não, as falhas são políticas e, em geral, de competência. A gerir isto encontramos um primeiro-ministro cada dia mais arrogante, pouco perspicaz, desastroso no improviso sem ser mais brilhante quando tem tempo para pensar. Já aqui deixei alguns elogios a Luís Montenegro, partilhei a expectativa que tinha em relação a este Governo; tenho agora de reconhecer que estava errado. Até ao lavar dos cestos é vindima, mas isto não inspira confiança.
Não precisamos de recuar à questão do INEM, já exaustivamente debatida e demasiado óbvia para merecer argumentação, basta-nos recordar o que disse o primeiro-ministro no dia da eliminação da violência contra as mulheres. Não apenas o que disse nem como, mas sobretudo o que revelou em termos de sensibilidade para o problema e de intuição política. Ao contrário do que sugeriu, a ameaça hoje, por existirem mais meios e meios sem regulação, é maior. Não, não está nada melhor. Não, não evoluímos assim tanto. A Justiça continua a falhar em casos da maior gravidade. O jovem que atirou tinta contra Luís Montenegro - para salvar o planeta, imagine-se - está já a ser julgado. O primeiro-ministro pede-lhe 1750 euros por danos na roupa. Saberá o chefe do Governo quantas vítimas de violência doméstica continuam à espera de resposta da Justiça? E os danos não são na roupa. Não se estragou apenas um fato, que a tinturaria Jaguar seguramente conseguiria salvar.
Como pode, então, o homem que governa o país ter uma palavra de optimismo em relação a um drama que não conseguimos atacar eficazmente? Naquelas palavras não havia novidade alguma para além desta ideia singela de que “já foi pior”, como se houvesse alguma coisa a celebrar. O que importa é que pode ser muito melhor, mas para isso precisamos de ideias, meios e legislação. Um plano e uma estratégia, desenhados por quem não se anima com o que evoluímos nesta matéria, porque evoluímos pouco ou nada. O que se evoluiu não conta. A tolerância tem de ser zero. Não temos apenas “mais conhecimento”, a ameaça não se alterou ou agrava-se.
Entretanto, na mesma semana, anuncia-se uma comunicação ao país para falar de segurança interna. Neste caso, a lógica passava por dizer que o país é seguro, mas estamos em guerra. É uma interpretação minha e exagerada, mas foi, grosso modo, isto. Não podemos “dormir à sombra da bananeira”, disse então o primeiro-ministro. Precisamos de mais carros e mais operações. Não estou qualificado para dizer se precisamos ou não de mais carros e de mais operações, admito que sim, mas aquela declaração, com aquela solenidade, não faz sentido. Aquilo que me parece é que Montenegro seguiu o estilo de comunicação exibicionista do director nacional da Polícia Judiciária, que já nos habituou a conferências de imprensa e espalhafato. Se é mais competente do que outras direcções mais discretas, isso eu já não sei responder, mas desconfio, por sistema, do excesso de publicidade.
Com esta declaração, o Governo começou a substituir a ideia de segurança pela outra, do medo. Há uma adversativa agora na avaliação de segurança do país. Montenegro foi ao encontro das ideias da alternativa mais forte que tem à direita, dando azo à confusão. Ignora que nunca a força rendeu popularidade neste país. O remate à bastonada dos governos de Cavaco Silva custaram uma fortuna ao então candidato a Belém, que teve de esperar uma década para que o esquecimento fizesse o seu trabalho. O povo é sereno e quer continuar sereno. A serenidade é sempre valorizada, a bastonada não.
Ainda assim, não há questões relevantes de segurança interna que é preciso enfrentar? Haverá, sim, mas não é disso que se trata, é do aspecto político. Segundo li, a aquisição de veículos para a PSP e GNR até já tinha sido decidida pelo Governo anterior. O que nos interessa aqui é o sinal que o primeiro-ministro pretende dar e que é, na minha opinião, mais um erro grosseiro. Com a declaração fútil de ontem à noite, o primeiro-ministro só conseguiu que o Governo apareça agora em todas as operações e em qualquer desordem. Dará todas as bastonadas. Não foi capaz de delinear uma estratégia firme, mas sem alarido, jamais com declarações às 20 horas e conservando a autoridade de quem detém a pasta. Não preservou o valor da segurança, aparecendo com este “mas” que inverte definitivamente o contexto.
Enfim, não estará em causa o regular funcionamento das instituições democráticas. Não é disso que se trata, mas de total e completa inabilidade política, que não sendo exclusiva do chefe do Governo, ele é o principal responsável. Ora isto, nos tempos que correm, é brincar com o fogo.
E, acrescento eu, só dá razão à agenda política do Ventura. E, entre o original e a cópia...
E segue o carrocel 🫡. Desde o começo dos tempos e provavelmente até ao fim dos mesmos. RIP 🦖🌋🔥⚰️🪦